A força do real: documentário brasileiro confronta professora indígena e advogada herdeira de terra no Mato Grosso do Sul
A força do real: documentário brasileiro confronta professora indígena e advogada herdeira de terra no Mato Grosso do Sul
Antigamente nos contavam nossas histórias, histórias do vento. E que o vento toca nosso rosto e também toca nossa gente que está longe. Nos faz recordar de todos os nossos parentes: os que ainda estão conosco,e os que já partiram. Traz memórias dos moradores que já se foram, memórias vivas sobre o nosso território.
Alenir Aquino Ximendes
Dirigido por Laura Faerman e Marina Weis, o documentário brasileiro Vento na fronteira (2022) atua como denúncia sensível e contundente sobre o conflito fundiário entre indígenas e grandes fazendeiros em Campestre, no Mato Grosso do Sul. A narrativa confronta duas mulheres, a professora indígena Alenir Aquino Ximendes e a advogada Luana Queiroz, herdeira de uma fazenda localizada em território demarcado em 2005 como Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, mas em disputa judicial que chegou ao STF e culminou em 2024 com a decisão favorável aos Guarani-Kayowá, obrigando a União a indenizar os fazendeiros.
O filme se destaca pela maneira como constrói paralelamente as duas trajetórias, sem apelar para simplificações. Alenir surge como uma figura de resistência, lutando pela sobrevivência cultural e territorial de seu povo diante da violência histórica do colonialismo e do capital agrário. Luana representa um setor da sociedade que, mesmo com acesso à terra e poder, se vê como vítima das lutas indígenas, um reflexo das tensões sociais enraizadas no Brasil rural.
O documentário apresenta planos contemplativos da paisagem para reforçar a presença da terra como protagonista silenciosa da disputa. Na alternância entre falas em guarani e em português, escancara-se a contradição de acusar de invasores aqueles que são os nativos.
Numa cena, Alenir passa as mãos sobre inscrições rupestres, selando o vínculo com os habitantes ancestrais da terra. Enquanto isso, confiantes no amparo institucional oferecido sob o governo do presidente interino Michel Temer e certos apoiadores no Congresso, a família Queiroz narra seus conflitos armados contra os Guarani-Kayowá usando a palavra “índio” de modo violento e demonstrando desumanidade.
A câmera, muitas vezes observadora, evita sensacionalismos e permite que as falas das personagens principais conduzam a narrativa com uma sinceridade por vezes estarrecedora. Vento na fronteira não é isento: embora dê voz a ambos os lados, a postura crítica em relação ao agronegócio e à omissão do Estado é evidente, especialmente ao mostrar os impactos devastadores da expulsão indígena e a criminalização de suas lideranças.
A edição é fluida e a trilha sonora discreta, reforçando o tom sóbrio do filme. A escolha por deixar que os olhares se desenrolem com poucos comentários diretos reforça a confiança das diretoras na força do real, que, conforme Márcio Seligmann-Silva, “irrompeu fazendo desmoronar as formas tradicionais” das narrativas.
Carolina Araujo Monteiro